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7 de janeiro de 2015

Coisas de uma infância já esquecida

Juquinha tinha acabado de completar os seus dez anos de idade há pouco mais de uma semana e sua curiosidade sobre tudo já alcançava os níveis da de um adolescente refém dos desejos do mundo. Perguntava sobre tudo, sobre o que via na televisão, sobre o que ouvia por aí, queria saber sobre o passado, como as coisas haviam chegado a ser como são e também o que podem vir a ser no futuro.

Quando jogando vídeo game na casa de seu melhor amigo, Renan, cuja mãe é uma professora de história, foi acometido pela sensação das infinitas possibilidades que aguardavam no futuro. A mãe de seu amigo sempre preparava um ótimo lanche para eles no fim da tarde, era a única coisa que poderia fazer para tirar os dois da frente daquele jogo.

Juquinha jamais esqueceria daquela sensação, um mundo inteiro bem na sua frente, sem fronteiras. Sempre se concentra bastante quando a mãe de Renan começa a contar as mais aventuradas e divertidas histórias. Dessa vez havia sido a de um jovem rapaz de apenas 14 anos que se tornou imperador, Pedro II, havia gravado bem o nome. Segundo o que contara a mãe de seu amigo, a maioridade do jovem rapaz fora antecipada na tentativa de combater de forma mais rápida e eficaz uma crise que tomava conta do Império.

Juquinha ficou recontando a história em sua cabeça em todo o caminho de volta para casa. Quando entrou na sala não esperou muito e já foi logo de encontro ao seu pai — Um senhor por volta dos seus cinquenta anos, já cansado do marasmo diário: levantar, tomar banho, contar o dinheiro da passagem, trabalhar, voltar para casa e recomeçar tudo de novo no dia seguinte.

— Pai, a mãe do Renan, falou que Dom Pedro II virou imperador com 14 anos, então quer dizer que com 14 anos eu posso ser o que eu quiser?

— Você quer ser imperador Juca? — Perguntara o pai enquanto passava os canais da televisão aleatoriamente, era como se não mudasse o canal, a programação era a mesma.

— Claro que não, né pai! Eu sei que não existem mais imperadores hoje em dia mas eu posso ser outra coisa, alguém muito importante, certo? — Perguntara com o que restava-lhe de inocência.

Noticiário vai e vem e nada muda, o pai de Juquinha arfando desliga a televisão e responde ao filho:

— Aqui meu filho, com 14 anos você pode fazer o que quiser.



- Willian Carvalho

Paradoxo Literário Nacional

A internet se tornou um excelente meio social, de forma que hoje em dia cada vez mais pessoas conhecem outras pessoas na rede. Tudo acontece de forma bem democrática nesse contato virtual. Além das já conhecidas redes sociais existem também as famosas salas de bate papo, estas divididas por temas.

Há realmente de tudo: idades, Estados, países, gostos musicais, gostos literários e claro que não é possível esquecer dos gostos de sexo. A internet se tornou tão presente que o sexo virtual não é nem mais considerado um fetiche ou alguma fantasia e tem uma categoria sua, completamente isenta das outras.

Em um desses dias em que mesmo tendo o que se fazer acabamos por querer falar com alguém diferente, conhecer alguém novo acabei acessando uma sala de bate papo para supostos amantes da literatura.

Logo, acabei iniciando um papo com uma moça cuja auto alcunha de Jane Austen chamara-me a atenção, apesar de eu não ser um leitor das obras da autora original. Enfim, passadas as apresentações iniciais que nunca mudam como “Oi, tudo bem? De que Estado você é?” finalmente começamos a realmente a falar sobre literatura.

— Ah... eu leio um pouco de tudo. Adoro romances, de fantasia fantástica, passando por ficção científica até uma bela e linda história de amor. — Me dissera inferindo bastante versatilidade quanto ao que eu estava pensando sobre ela.

— Muito legal, eu também gosto de ler um pouco de tudo, cada tema e gênero têm suas particularidades mas ambos podem transmitir uma ótima mensagem de forma eficiente e igualitária. — Respondi tentando ser condizente com a situação.

Quando perguntada sobre os títulos que mais gostou ela respondeu:

— Dos clássicos, gosto muito dos livros da Austen, como pode imaginar pelo meu nick rsrs. Também gosto muito de fantasia como Harry Potter, Senhor dos Anéis, Crônicas do Gelo e Fogo. E tenho lido alguns autores novos que aparecem por aí tipo o Green.

Não sei dizer o que senti quando não vi nem sequer um título nacional em sua breve lista de queridos livros. Minha curiosidade não se aguentou e acabou questionando sobre tal ausência da literatura canarinha.

— Ah! Os autores nacionais são muito chatos, tão cheios de regras, falam tudo de maneira tão complexa e formal. As histórias são muito bobas e inocentes, já não gostava delas desde a época da escola. — Respondeu ela dessa forma direta e incisiva.

Fui tomado por uma outra sensação desagradável. Como é possível alguém não gostar de nada que venha de onde ela mesma vem? Me peguei pensando antes de continuar falando com ela, deixando apenas uma letra solta na barra de mensagens para que ela pensasse que estou escrevendo ainda e não a ignorando.

Concordo em partes que alguns autores nacionais são bem complexos e formais, mas a literatura nacional não morreu no início do século XX, muito pelo contrário foi exatamente nessa época que todo esse formalismo foi quebrado com nomes como Guimarães Rosa, Lima Barreto e a senhorita Lispector, que frequentemente tem suas frases compartilhadas em “tirinhas” pelas mesmas pessoas que falam mal da literatura nacional.

Como já pode imaginar se eu falasse isso, provavelmente ela não me responderia e eu estava bem curioso para saber a cor de seus olhos, se é que me entendem. Logo, acabei mudando de estratégia e pensei em saber mais sobre ela e não exatamente sobre o que ela gosta.

Em uma manobra evasiva quanto ao que tinha acabado de me responder eu mudei o assunto para o que ela faz da vida, se estuda, trabalha ou também se não faz nada. (Haja tempo para Tolkien e Martin).

Ela respondeu:

— Eu sou escritora.



- Willian Carvaho.

9 de agosto de 2014

O Descobrimento de Brasílio

Brasílio vestia cores, embalava ritmos, encenava suas crenças diante do fogo tendo a lua como espectadora. Sua alegria demasiava a inocência, estampada no corpo nu. Pobre Brasílio, não sabia que tal inocência custaria-lhe o pensar, a liberdade e tudo aquilo que achava que deveria crer.

Certo dia um nobre homem vindo de terras distantes, além do horizonte, vencendo o medo das criaturas habitantes de águas tempestuosas, veio ao encontro de Brasílio. Surpresa para ambos os lados que incompreendiam um ao outro.

De um lado toda a riqueza e classe lisboeta pesando em tecidos sobre o corpo, e de outro, as cores de Brasílio. A diferença foi justamente a inocência de Brasílio, que encantado com os objetos reluzentes do nobre homem e seus companheiros, ofereceu tudo, além até do que esperava.

Quando menos se imaginava, Brasílio já havia trocado mais do que bens materiais que viriam enriquecer ainda mais o nobre homem. Havia perdido cegamente sua liberdade de crença, vestimenta e consequentemente aquela alegria que iluminava todas as noites.

Brasílio foi manipulado, enganado, caçado, aprisionado, chicoteado. Durante o tempo passado preso e submisso, Brasílio fez novos companheiros, também vindos de locais distantes. Um dos companheiros, que compartilhava a dor ao lado de Brasílio, tinha a pele escura e contava de sua terra, onde suas tradições também continham riqueza em expressões corporais como as da terra de Brasílio.

Junto a todos os outros companheiros, Brasílio ouviu com atenção todas as histórias e mudou a si mesmo em imagem e som. Colhendo um pouco de cada uma delas, vindas dos mais variados locais. Infelizmente, essa mistura ocasionou ainda mais tormento, pois os anjos do bem que o nobre homem acreditava, julgavam toda crença diferente da deles como inimiga e passível de contenção e proibição.

A fé custou muito sangue a Brasílio. A fé do nobre homem tirou muito sangue de Brasílio. Enquanto questionava o porquê de não poder acreditar no que quisesse, o nobre homem  e sua crença compartilhada por tantos em todo o mundo, afirmava que aquilo tudo era maligno.

Muito tempo se passou, e Brasílio junto a muitos outros lutou, e enfrentou fortemente o nobre homem e suas tropas. Chegou o tempo em que essa opressão terminou, e a tão desejada liberdade fora alcançada, ainda que sua prática necessitasse de mais tempo para ser realidade.

Hoje Brasílio, veste muitas cores, como fazia antes. Entretanto, além das cores originais de sua própria terra, Brasílio acrescentou também todas as outras cores e sons provenientes das histórias sobre as terras de seus companheiros de dor e medo.

Infelizmente Brasílio possui traumas dos tempos passados, tempos de pavor, agonia e submissão. O impacto causado à alma de Brasílio foi tão profundo que o confunde a mente, e como por ironia da vida, encontrou um grande dilema entre o desejo de ser livre e o peso da submissão.

Esse dilema atormenta Brasílio diariamente, onde muitas vezes o peso da submissão esconde o desejo de ser livre para pensar por si mesmo, crescer e aceitar sua própria beleza original do mundo todo.

Logo, Brasílio encanta-se demais com oque vêm de fora ou não atribui o devido valor a si próprio. Seu verde antes tomado e derrubado, hoje é alugado quando não vendido as intenções de outros nobres homens.

Brasílio... tão cheio de vida, cheio de cores e sons, tão rico em essência porém com uma inocência que quebra as barreiras do bom senso e do auto-valor, pondo em risco sua própria existência que se perde diante de tanta falta de atitude.

Limitando sua própria mentalidade, criando rédeas para si mesmo e evitando questionar como fizera em tempos passados, Brasílio faz de sua própria vida a reprise de uma história antiga, contada e deturpada pelos livros.

A história de seu descobrimento.

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